A verdade na guerra de comunicação

Há um velho ditado de que na guerra a verdade é a primeira que morre. Ainda que possa conter uma boa análise, no fundo é no momento das disputas que os lados se acirram, definindo posições políticas, cuja verdade serve como arma contra o oponente determinado.

Mesmo o silêncio é uma posição política em favor de um ou outro lado, na condição de se esconder de um ataque rápido. Os meios de comunicação, que na incapacidade de praticar a objetividade pura – o que parece lógico, observando a comunicação ser uma dádiva humana -, neste instante de defesa de interesse efetivamente, prevalece a subjetividade, as mensagens controladas, de modo que a objetividade se apresenta minimamente, para os detalhes reais de um conflito.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e dos Estados Unidos, Joe Biden, em momento de diálogo, cujos personagens dão sequência a tempos de hostilidades na chamada Guerra Fria, com disputas por modelo ideológico e político. Na atualidade segue o roteiro, com o desejo de ambos pela expansão de poder, dos EUA pelo domínio dos países da ex-URSS e manutenção de poder regional e global dos russos – imagem Brendan Smialowski / AFP)

Os dados mais elementares são ordenados em conformidade com posições ideológicas, de maneira a prevalecer o lado do poder escolhido pelos inimigos.

A comunicação midiática na sua origem tem como objetivo interesses econômicos, que se soma ao capitalismo e ganha expansão, tornando-se ponta de lança de conquistas de outros mundos, com origem em países de culturas milenares e vencedores nas guerras, resultando em conquistas de outras nações mais fracas – com armas e comunicação de mídias.

No processo histórico, desde a impressão da Bíblia, a comunicação ganha importância na transformação da sociedade na direção de um processo de massificação. Depois a mudança cultural e a ampliação dos mercados e domínios de nações no caminho de uma sociedade globalizada, com política dirigida por um centro político.

Os meios de comunicação também foram colonizadores e não seria sem motivo que uma das primeiras medidas da família portuguesa no Brasil foi a fundação da prensa, com criação de biblioteca real e o controle das publicações de livros, o que já vinha ocorrendo desde o processo de colonização. A rigor, a comercialização se fez proibida no início da colonização, com bons motivos. Não perder o controle da política social interna e externa.

Guerra de informação

O jornalismo passa por controles na política europeia, território da primeira prensa, quando se reduz os textos manuscritos, com leitura limitada a alguns grupos, com expansão da comunicação na manutenção do poder político.

Como resultado a percepção do velho mundo como formadores de conhecimento e ilustres territórios de guerra, quando países de em torno de sua órbita passam a ser imperadores, como é o caso do Inglês. Posteriormente, o bastão é deslocado para os Estados Unidos da América, levando sua cultura e tradições do velho mundo conquistador de outros territórios.

Portanto, o domínio do mundo diz respeito à capacidade de lidar com a informação, por isso, numa guerra será sempre o primeiro alvo a ser atacado ou expandido em conformidade com a verdade ali apresentada.

Fazendo um corte para os dias atuais, na guerra entre Estados Unidos e Rússia, em torno da expansão de poder global, tendo a Ucrânia como motivo para mostrar poder, o jornalismo avoluma, como seria de esperar, com informações que definem um lado – e como se observa exageradamente -, com suas armas, o poder simbólico.

Neste contexto, os números servem para a verdade demonstrada em conformidade com propostas editoriais, aquelas que a empresa de comunicação entende como sendo o lado mais rentável, com atenção na audiência, como alvo, que não pode se dispersar, mas deve manter-se sob controle das palavras e imagens. Para tanto há estratégias.

Desta maneira, na guerra de informações, será tempo sempre das análises atenciosas para a liberdade de conhecimento na definição de opinião própria, que neste contexto nem sempre está do lado a maioria.

O após COVID-19

As atenções da população mundial estão em torno da infecção e mortes pelo novo coronavírus, na tentativa individual de se proteger de doença que assusta as famílias, convivendo com única mensagem nas mídias. Não quer dizer, no entanto, que a política esteja esquecida, um tempo para as decisões sociais e antissociais. Podemos presumir que articulações vêm sendo feitas aqui e acolá, no sentido de manter a ordem sistemática de poder em pleno vigor, não somente em território brasileiro, mas global.

Possível afirmar que numa crise haverá sempre rearranjo dos processos ideológicos e políticos, considerando os movimentos econômicos e culturais. A mídia tem papel fundamental na linguagem ordenada e formação da agenda, mantendo no obscurantismo temas fundamentais no âmbito das propostas de modificações na realidade, como a configuração econômica, por exemplo. Como pensar o Brasil e mundo pós-COVID-19?

A pergunta é um enigma, mas seria razoável afirmar que haverá modificações na ordem sistêmica. Mudanças podem ser prevista para o trabalho, o capital e cultural. A democracia parece ser um uma questão a se analisar neste momento de tempos de caos, substanciais modificações da educação, justiça e autoridades de comando regionais e instituições.

Antecipando-se ao próximo estágio da crise do coronavírus | McKinsey
COVID-19 poderá levar a mudanças profundas no cenário político brasileiro e internacional, mais adiante, com forte reflexo no trabalho, capital, justiça e democracia.

Muitas questões e projetos podem estar sendo colocados, observando que o mundo está sensibilizado com o presente e bem focado em textos e contextos apresentados. Novas configurações políticas poderão resultar do reflexo das negociações no agora. O neoliberalismo sairá fortalecido? Pode ser, apesar da certeza da necessidade de o Estado em período de crises como esse – parece evidente. Porém, o trabalho poderá ficar escasso um pouco mais adiante, com reflexo na sobrevivência de muitos trabalhadores e famílias pobres, sobretudo, e nas determinadas condições, desejosos de submissão aos desígnios do mercado, no alto do domínio, capaz de decidir sobre as características dos primordiais e periféricos.

No Brasil, o presidente Bolsonaro vai se tornando uma figura ainda importante, mas secundária, e há a busca de um novo personagem a atribuir a autoridade, uma discussão que supera a realidade imediata, de conduzir a população para o neoliberalismo ideal, quanto a ideais dominantes. Contudo, bem verdade, há que se levar em conta a diversidade no moderno – moderno radicalizado. Contudo, pouco importa os meios, se os fins agradam para os princípios de manutenção de ideológica hegemônica consensual em vigor.

O Brasil é um jogador importante no tabuleiro dos Estados Unidos e aliado necessário na saga pelo império global histórico, quando se observa o crescimento e ousadia de adversários comunistas e ex-comunistas.

Quanto a elite brasileira, um tanto diversificada e antagônica internamente, precisa buscar algum consenso na decisão sobre manter ou não o presidente sem freios e limites na visibilidade angustiante e imprevisível. O conservadorismo pouco importa, desde que o neoliberalismo sofrível que se mantenha em perspectiva, contudo, sem forças para a plenitude na América Latina e países fora do eixo do poder centralizado. As decisões na política brasileira continuam a existir entre agentes nacionais e internacionais em torno do modelo meio brasileiro e inteiramente difundido globalmente, que precisa de ser aperfeiçoado em cada crise e oportunidade de descontrole social.

Figura importe neste mapa de condução social, o superministro Paulo Guedes, com seu perfil indispensável, pode perder a capacidade de pôr em prática na economia brasileiro freios e contra freios, capazes de segurar de um lado as diferenças políticas e conduzir o trabalho e capital para o rumo desejado. O Chile e Argentina se revelam como exemplo de ineficácia para formação de consenso social para o aprofundamento de modelo necessário para a ordem modernizante. O social diversificado e radicalizado nesta nova política, neste agora, poderá atropelar a produção de bens fundamentais para este progresso propagandeado, cuja riqueza se mantêm para desigualdades de condições e sobrevivência.

Mesmo nas crises e por causa delas, as lideranças conservadoras/progressista e neoliberais “não dormem de botinas”, na composição da consciência coletiva, na terraplanagem do terreno com necessário ajustes nas batalhas perdidas e provocadas pela oposição sistematicamente nas lutas pelas ideologias, inserindo ou não o popular.

Oposição, na ortodoxia de um futuro que chegou contestado sem diálogo com o senso comum, que se mostra com pouca credibilidade e ação, de cujas lutas vêm enfrentando resistência, também do grande número social, sua força. O sistema político e cultural sofreu revezes, muito rapidamente, como resultado de uma sociedade complexa, porém conduzido com determinação para estratégia de lideranças econômicas e ideológicas globais definidas estrategicamente. A crise econômica terá finalidade para mais convencimento da opinião pública para o conservadorismo e a decisão sobre a autoridade simbólica para rearranjo em perspectiva – a crise é oportunidade.

As portas não estão fechadas para nada. Pode ser também tempos de mudanças profundas no sistema de poder simbólico, questionado pelo “novo” modelo, indiferente à exclusão evidente que marginaliza sujeitos e coletividade no Brasil, América Latina e mundo, amigavelmente; ou mesmo o nada, confrontado a dinâmica de uma sociedade em movimento constante.

Apenas um desenho político e ideológico, entre outros tantos, que podem ser mais ou menos racionais.

O fim do chavismo e renascimento da democracia econômica regional

A guerra contra a Venezuela que está ocorrendo, patrocinada substancialmente pelos Estados Unidos e países da Europa, claramente está relacionada com as transformações econômicas nos tempos de globalização e mudanças de status de nações que estiveram no centro do poder financeiro e produtivo mundial. Não é possível que haja eternamente imperialismo sem alternância neste comando. A vitória do conservador e ultraliberal Donald Trump e Brexit no Reino Unido pode indicar o início de implosão da ordem política centralizada global.

A Venezuela é um país no centro de disputa regional, que não começa nestes dias. Basta ver a história de ascensão de Hugo Chávez na presidência, depois de sucessivas crises e autoritarismo de governos anteriores e alinhados, principalmente aos Estados Unidos. Nesta empreitada de fazer oposição sistemática à terra do Tio Sam surgiu, uma espécie de partido regional, o chavismo, ao lado de Equador, Bolívia, Cuba e Brasil, Uruguai e Argentina que formaram o grupo antípoda ao modelo econômico internacional, a exemplo do conhecido consenso de Washington, com proposta neoliberais para economias com prioridade extrema ao mercado, e redução do Estado do bem-estar social.

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Imagem Folha Boa Vista – Grupos de pessoas liderados pela oposição ao chavismo de Nicolás Maduro, enfrenta o exército na ruas, na tentativa de fazer entrar ajuda humanitária enviada pelos Estados Unidos que apoiam o autoproclamada presidente do país, Juan Guaidó.

Por sua vez os centros econômicos passam então a aumentar as amarras com nações amigas na América Latina, como Colômbia, Chile, Peru. Considerando que os governos colombianos permitiram estratégica entrada externa na América Latina, quando estabelece a sua própria guerra com os guerrilheiros das Farcs, os quais não reconhecem o governo central do país. O vizinho Chávez tratou de usar os problemas colombianos para se aproximar dos grupos rebeldes de esquerda na tentativa de desestabilizar o oponente e seu aliado. A Amazônica tornou-se local de disputas entre Estados e guerrilha, com influência indireta da Venezuela.

Como os brasileiros notaram houve mudanças importantes regional nos últimos anos, com impeachment de Dilma Rousseff – em razão de pedaladas fiscais – a prisão do ex-presidente Lula com agilidade da justiça brasileira, Cristina Kirchner não consegue fazer seu sucessor na Argentina, Rafael Correa do Equador, ainda que tenha contribuído para a eleição do novo presidente, hoje está na oposição, vivendo fora do seu país, respondendo a denúncias internamente. Em Cena, Maurício Macri na Argentina, Bolsonaro no Brasil. Na Colômbia o conservador Álvaro Uribe continua dando as cartas na política. Mantém-se no poder, como remanescentes da política dita de esquerda está Evo Morales na Bolívia e a família Castro na liderança de Cuba, quietos, porém rebeldes à política externa.

O chavismo se transformou num personagem emblemático na América Latina, auxiliando Cristina Kirchner na Argentina, Cuba e em disputa com os colombianos apoiados pelos Estados Unidos. Estes tentam construir uma porta para defender seu território, que afirma ser de seu domínio, em meio a governos regionais rebeldes, liderados pelo chavismo. No entanto, sua empreitada nos últimos anos foi eficiente, como se nota. Porém, na Venezuela, segue a herança política de Hugo Chávez, com Nicolás Maduro, que enfrenta a guerra esperada.  Outros jogadores ganham musculatura e se associam na oposição, como é o caso da China que começa a dar as cartas na política e economia na América Latina e outras regiões globais. Como efeito, a deposição de Maduro tornou-se urgente, considerando o jogo que se estabelece num mundo globalizado.

Alguns países ganham muito espaço nestas disputas globais. Além da China, a Rússia ressuscitou dos tempos comunistas, usando o que melhor possui, o forte arsenal de equipamentos para a guerra, desempenhando uma rivalidade tensa com os Estados Unidos, considerado, efetivamente, como a única potência mundial, mas que recebendo sinais de perdas de força, diante de um capitalismo interno com problemas. A tecnologia do país de Donald Trump está sendo superada pela China, que faz frente à potência mundial. Para completar este cenário as forças europeias passam por problemas graves internamente, quando sobrou muitos pobres vivendo nas antigas colônias sem ter o que comer, e em meio a guerras sucessivas. Entendem que precisam de lugar no velho mundo, sua antiga metrópole, que, por sua vez, fecha às portas.

Nesta trama que se pode analisar a fome na Venezuela, fazendo valer o autoritarismo do governo, mantendo-se no governo com braço de ferro contra os adversários externos. Por isso,  isolada economicamente pelos países centrais, principalmente, pelos Estados Unidos, mantendo-se na defesa do seu território que sempre chamou de seu, a América Latina. Pelo que parece, diante deste quadro, os venezuelanos na sua maioria sabe que a oposição ao chavismo não está pensando em democracia, mas defendendo interesses de grupos que deverão receber um bom quinhão na exploração internacional de petróleo, no país com a maior reserva do mundo. A democracia, se vier a reboque da ajuda humanitária com deposição de Nicolás Maduro, melhor.

Ajuda humanitária e democracia podem não ser os termos corretos para definir a realidade da explosão que se montou na Venezuela chavista, mas no final é guerra internacional pelo poder. O pior mesmo é ter a consciência de que o Brasil está mais próximo dos venezuelanos do que dos Estados Unidos, literalmente, podendo sofrer avarias neste jogo de cartas marcadas na decisão de quem vai governar ou cair.


PNUD abre 15 vagas para mestres em Ciências Sociais, Comunicação Social e Relações Internacionais

Sindicato Jornalistas DF

O Escritório de Políticas para o Desenvolvimento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Nova York vai contratar 15 consultores com reconhecida experiência em pesquisa em temas sociais e de desenvolvimento humano. Os profissionais integrarão o grupo de especialistas em Desenvolvimento que provê suporte à produção e revisão de relatórios globais e estudos do PNUD na língua inglesa. Inscrições até 2 de setembro.

Os profissionais executarão as tarefas remotamente, sem necessidade de deslocamento para os Estados Unidos.

Além de fluência em inglês e mestrado em Ciências Sociais, Comunicação Social ou Relações Internacionais, é necessário comprovar experiência mínima de cinco anos como pesquisador, escritor ou editor de publicações, artigos e outros materiais relevantes na área de desenvolvimento humano.

Os candidatos devem ter compreensão avançada e/ou experiência em uma ou mais das seguintes áreas de especialização: Redução da Pobreza, Política Social e Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM); Governança Democrática; Desenvolvimento Sustentável, Meio Ambiente e Energia; HIV / AIDS, Saúde e Desenvolvimento; Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres; e Gestão do conhecimento para inovação e fortalecimento das instituições democráticas. Para detalhes, clique aqui.

Como emburrecer americanos

O Estado de S. Paulo – 01 de março de 2008
Susan Jacoby* 
“A mente deste país, ensinado a almejar objetivos baixos, consome a si mesma”. Ralph Waldo Emerson fez esta observação em 1837, mas suas palavras ecoam como um doloroso pressentimento nos Estados Unidos muito diferentes de hoje. Os americanos estão em sérios apuros intelectuais – correndo o perigo de perderem nosso capital cultural, duramente conquistado, para uma mistura virulenta de antiintelectualismo, antirracionalismo e baixas expectativas.
Este é o último tema que qualquer candidato ousaria levantar no longo e sinuoso caminho até a Casa Branca. É quase impossível falar sobre de que forma a ignorância da população contribui para graves problemas nacionais sem ser rotulada de “elitista”, um dos mais poderosos pejorativos que podem ser aplicados a alguém que está aspirando a um alto cargo público. Em vez disso, nossos políticos repetidamente garantem aos americanos que eles são apenas “pessoas comuns”, um termo condescendente que você procurará em vão nos importantes discursos presidenciais antes de 1980. (Imagine: “Decidimos aqui que os mortos não terão morrido em vão … e que esse governo das pessoas comuns, pelas pessoas comuns e para as pessoas comuns não perecerá da Terra”). Tais exaltações à mediocridade estão entre os traços que distinguem o antiintelectualismo em qualquer época.
A obra clássica sobre este assunto, de autoria do historiador da Columbia University Richard Hofstadter, Anti-Intellectualism in American Life (Antiintelectualismo na Vida Americana), foi publicada em 1963, entre as cruzadas anticomunistas da era McCarthy e as convulsões sociais do final da década de 1960. Hofstadter vê o antiintelectualismo americano como um fenômeno cíclico – que freqüentemente se manifestou como o lado negro dos impulsos democráticos do país em religião e educação. Mas o tipo de antiinlectualismo de hoje é menos um ciclo do que uma avalanche. Se Hofstadter (que morreu de leucemia em 1970 aos 54 anos) tivesse vivido o suficiente para escrever uma seqüência dos tempos modernos, teria concluído que nossa era de programas de TV que misturam notícia com matérias de entretenimento, sete dias por semana e 24 horas por dia, sobrepujaram suas previsões mais apocalípticas sobre o futuro da cultura americana.
A mediocridade, para parafrasear o falecido senador Daniel Patrick Moynihan, tem sido continuamente definida, em várias décadas, por uma combinação de forças até agora irresistíveis. Essas forças incluem o triunfo da cultura do vídeo sobre a cultura impressa (e por vídeo quero dizer qualquer tipo de mídia digital, assim como as mídias eletrônicas antigas); um descompasso entre o nível em elevação da educação formal dos americanos e seu domínio titubeante de geografia, ciências e história básicas; e a fusão do antirracionalismo com o antiintelectualismo.
Primeiro e acima de tudo, entre os vetores do novo antiintelectualismo, está o vídeo. O declínio da leitura de livros, jornais e revistas é agora uma história velha. A falta de leitura é mais acentuada entre os jovens, mas continua a se acelerar e a afligir americanos de todas as idades e níveis de instrução.
Segundo um relatório divulgado no ano passado pela National Endowment for Arts, o hábito da leitura decaiu não apenas entre as pessoas com baixos níveis de instrução. Em 1982, 82% das pessoas com curso superior liam romances e poemas por prazer; duas décadas mais tarde, essa porcentagem era de somente 67%. E mais de 40% dos americanos com menos de 44 anos não leu um único livro – de ficção ou não-ficção – no decorrer de um ano. A proporção de jovens de 17 anos que não lêem nada (a não ser o exigido pela escola) mais do que dobrou entre 1984 e 2004. Este período de tempo, é claro, abarca o surgimento dos computadores pessoais, a navegação na web e os jogos de vídeo.
Será que isso importa? Tecnófilos ridicularizam as lamúrias sobre o fim da cultura escrita como a auto-absorção de (quem mais?) os elitistas. No seu livro Everything Bad is Good For You: How Today?s Popular Culture Is Actually Making Us Smarter (Tudo que é Ruim é Bom para Você: Como a Cultura Popular de Hoje Está, na Verdade, nos Tornando mais Inteligentes), o escritor científico Steven Johnson nos assegura que não temos nada com o que nos preocupar. Certo, os pais podem ver seus “filhos vibrantes e ativos olhando, silenciosamente e boquiabertos, para uma tela”. Mas estas características de zumbi “não são sinais de atrofia mental. São sinais de concentração”. Tolice. A verdadeira questão é o que crianças pequenas estão deixando de fazer e não no que estão se concentrando, enquanto estão hipnotizados por vídeos que já viram dezenas de vezes.
A despeito de uma agressiva campanha de marketing que visa encorajar os bebês a partir dos seis meses a assistir vídeos, não há indícios de que se concentrar na tela seja ruim para crianças pequenas. Num estudo divulgado em agosto do ano passado, pesquisadores da Universidade de Washington concluíram que bebês com idade entre 8 e 16 meses reconheceram uma média de seis a oito palavras a cada hora gasta assistindo vídeos.
Não posso provar que ler durante horas numa casinha de brinquedo instalada em cima de uma árvore (era o que eu fazia quando tinha 13 anos) cria cidadãos mais informados do que ficar horas e horas jogando o Xbox da Microsoft ou obcecados com os perfis da comunidade virtual Facebook. Mas a incapacidade para se concentrar durante longos períodos de tempo – diferente das breves leituras para obter informações na Web – me parece intimamente relacionada com a incapacidade da população de lembrar-se até de eventos noticiosos recentes. Não é de espantar, por exemplo, que estejamos ouvindo menos da parte dos candidatos à presidência sobre a guerra no Iraque nos estágios mais recentes da campanha das primárias do que nos primeiros momentos – simplesmente porque tem havido menos reportagens em vídeo sobre a violência no Iraque. Os candidatos, como os eleitores, enfatizam as notícias mais recentes e não necessariamente as mais importantes.
Não é de espantar que anúncios políticos negativos funcionem. “Com texto, é até fácil manter um acompanhamento dos diferentes níveis de autoridade por trás das diferentes peças de informação”, observou o crítico de cultura Caleb Crain recentemente na revista The New Yorker. “Por outro lado, a comparação entre duas reportagens em vídeo é consternadora. Obrigados a escolherem entre reportagens conflitantes na televisão, os telespectadores recorrem à intuição ou àquilo em que acreditavam antes de começar a assistir”.
Na medida que os consumidores de vídeo se tornam progressivamente mais impacientes com o processo de adquirir informações por meio da língua escrita, todos os políticos se vêem fortemente pressionados a transmitir suas mensagens o mais rapidamente possível – e a rapidez hoje é muito mais célere do que costumava ser. Kiku Adatto, da Harvard University, descobriu que, entre 1968 e 1988, a média de trechos editados de notícias sobre um candidato à presidência – apresentando a voz do próprio candidato – caiu de 42,3 segundos para 9,8 segundos. De acordo com um outro estudo de Harvard, em 2000, essa fala diária por candidato foi de apenas 7,8 segundos.
A diminuição do espaço da atenção pública fomentada pelo vídeo está intimamente ligada à segunda força antiintelectual mais importante na cultura americana – a erosão do conhecimento geral.
As pessoas acostumadas a ouvirem seu presidente explicar escolhas políticas complicadas dizendo abruptamente “Sou eu quem decide” talvez não consigam imaginar o esforço de Franklin D. Roosevelt, nos sombrios meses após Pearl Harbor, para explicar porque as Forças Armadas dos Estados Unidos estavam sofrendo uma derrota após a outra no Pacífico. Em fevereiro de 1942, Roosevelt pediu aos americanos que abrissem um mapa durante seu programa de rádio para que pudessem entender melhor a geografia das batalhas. Os mapas se esgotaram nas lojas de todo o país, e cerca de 80% dos americanos ligavam o rádio para ouvir o presidente. FDR disse a seus redatores de discurso que estava certo que, se os americanos tinham entendido as imensas distâncias que os suprimentos tinham que percorrer para chegarem às Forças Armadas, “eles podem receber qualquer tipo de má notícia com bravura”.
Este é um retrato não apenas de uma presidência e um presidente diferentes como também de um país e de cidadãos diferentes – um país que não tinha acesso aos mapas do Google mas era muito mais receptivo ao conhecimento e à complexidade que a população de hoje.
Segundo um levantamento de 2006 da National Geographic-Roper, quase metade dos americanos com idade entre 18 e 24 anos não acha necessário saber a localização de outros países nos quais importantes acontecimentos estão sendo objeto de notícia. Mais de um terço da população acha que “não tem nenhuma importância” saber uma língua estrangeira, e somente 14% consideram importante o conhecimento de línguas estrangeiras.
Isso nos conduz ao terceiro e último fator que está por trás do emburrecimento americano: o problema não é a falta de conhecimento em si, mas a arrogância em relação a essa falta de conhecimento. A questão não é apenas as coisas que não sabemos (considere o fato de que um em cada cinco americanos adultos pensa que o Sol gira em torno da Terra, segundo a National Science Foundation) – mas o alarmante número de americanos que, presunçosamente, concluem que não precisam saber tais coisas em primeiro lugar. Chame isso de antirracionalismo, uma síndrome particularmente perigosa para nossas instituições e intercâmbio de idéias. Não saber uma língua estrangeira nem a localização de um país importante é uma manifestação de ignorância; negar que tal conhecimento importa é puro antirracionalismo. A venenosa mistura de antirracionalismo com ignorância prejudica as discussões da política pública nos Estados Unidos sobre tópicos que vão desde assistência médica à tributação.
Não existe uma cura rápida para esta epidemia de antirracionalismo e antiintelectualismo arrogantes. Esforços repetidos para elevar as notas dos testes padronizados abarrotando os alunos com respostas específicas para perguntas específicas em testes específicos não adiantarão. Além disso, as pessoas que são exemplos do problema geralmente não o percebem. (“Pouquíssima gente acredita ser contra o pensamento e a cultura”, observou Hofstadter.) Já está mais do que na hora de uma discussão nacional séria sobre se nós, como uma nação, valorizamos verdadeiramente o intelecto e a racionalidade. Se esta de fato se tornar uma “eleição de mudança”, o baixo nível do discurso num país com uma mente ensinada a almejar objetivos baixos precisa ser o primeiro item da agenda de mudança.
* A premiada escritora americana Susan Jacoby é autora, entre outros, de The Age of American Unreason. É colaboradora dos principais jornais americanos e ingleses